segunda-feira, 13 de maio de 2013

Gerônimo, salsa e ijexá!

O som do mais caribenho dos baianos



Por Daniel Mendes

Nascido em 1953, na ilha de Bom Jesus dos Passos, à beira da baía de todos os santos – daí se originou o apelido de capitão, por conta da sua longa vivência no mar – Gerônimo Santana viveu sua infância e adolescência no período em que a música do Caribe dominava as rádios baianas. “Tocava muito mambo cara, muita salsa, muito merengue. Tocava Célia Cruz, Tito Puente, Luiz Kallaf, Românticos de Cuba, Paquito de Rivera e muitos outros. Eu ouvia tudo isso nas rádios e nas ruas. Era maravilhoso!”, recorda. Mudou-se ainda jovem para Salvador, onde reside até hoje, aos 60 anos, no mesmo bairro da Saúde. Não demorou muito e logo começou a participar da cena cultural do centro histórico da capital baiana, local onde atualmente mantém um escritório de trabalho. Devido a sua grande contribuição, é impossível falar da relação da música caribenha com a música baiana sem falar em seu nome. De fato, ele foi o músico que melhor traçou uma interface entre as vertentes afro-baianas e caribenhas. Gerônimo ficou conhecido também por introduzir importantes músicos baianos ao universo da música caribenha, como Sarajane, Paulinho Camafeu e Carlinhos Brown.

O feito maior desse importante artista baiano foi ter hibridizado, no começo da década de 1980, o ritmo ijexá, originado no candomblé, com a salsa do Caribe. Seu primeiro sucesso foi Macuxi Muita Onda, canção que ficou conhecida como Eu Sou Negão, lançada no álbum homônimo de 1986. A música é uma espécie de ópera carnavalesca que problematiza politicamente o embate entre os trios elétricos e blocos-afro na cena do carnaval de Salvador. Para o professor de história da Universidade Federal da Bahia, Milton Moura, foi com essa canção que pela primeira vez a batida do samba-reggae fez sucesso na forma que passou a ser utilizada por outras bandas que não aquelas dos blocos-afro. “Alguns trechos do início e do final da peça são um arranjo de reggae em que Gerônimo alude a diversas nações indígenas, numa espiral de ritmos, motivos e referências alegóricas”, afirma Moura. Durante os anos 80, a levada do samba-reggae, a lambada e as primeiras versões do axé, ditavam as modas coreográficas do carnaval baiano, influenciadas pelos ritmos caribenhos. No entanto, mesmo com o sucesso, essa música nascida nas ruas de Salvador sofreu bastante preconceito por parte da elite soteropolitana. “Toda música considerada vulgar por essas pessoas veio para o Pelourinho. Essa região aqui sempre foi vista por eles como o brega da cidade”, desabafa Gerônimo.

Gerônimo Santana

Esse cenário boêmio do Pelourinho foi diversas vezes registrado pelo escritor baiano Jorge Amado em suas obras, as quais serviram de inspiração para Gerônimo, como pode ser percebido, por exemplo, no seu disco Pastores do Mar, lançado de forma independente em 2008, inspirado em Pastores da Noite, livro do popular escritor baiano. Assim como a canção Jubiabá, lançada por Gerônimo no final dos anos 80, também inspirada em uma obra de Amado, e que despertou o interesse de outros músicos brasileiros, como por exemplo, o grupo Paralamas do Sucesso, que lançaram uma versão da música em 1989. Gerônimo recria esse cenário “amadiano” em suas canções. Na letra de É D'Oxum, por exemplo, há várias referências ao universo da religião afro-baiana e da vida cotidiana dos baianos. A canção foi gravada por artistas diversos como Caetano Veloso, Gal Costa, Elba Ramalho, Marienne de Castro, Dudu Nobre, David Moraes, Rita Ribeiro e Jau.

De acordo com a antropóloga baiana Goli Guerreiro, em seu livro “A Trama dos Tambores” (2000), o improviso característico da percussão caribenha é semelhante ao praticado nos ritmos do candomblé. Isto pode explicar a fusão harmoniosa entre salsa e ijexá feita por Gerônimo. “Cara é só você ouvir, presta atenção! (Gerônimo toca o ritmo ijexá na mesa) Tá ouvindo? É o candomblé! Ouço isso desde pequeno. Agora ouve isso! (começa a tocar o ritmo salsa na mesma mesa) Sacou cara? Isso é o Caribe! É muito parecido! Saquei logo de cara”, explica. A semelhança que Gerônimo se refere pode ser associada ao conceito de Atlântico Negro, do sociólogo inglês Paul Gilroy. Segundo o qual, houve uma convergência de culturas negras em torno dos países latino-americanos, próximos ao oceano Atlântico, rota principal da diáspora de escravos africanos para toda a América. Com os trânsitos culturais mais acentuados na contemporaneidade, impulsionados, sobretudo, pela globalização, uma espécie de “espaço negro” se consolidou na América Latina, possibilitando que diversas culturas de origens africanas, em diversas partes desse continente, se reconheçam, coexistam e gerem diversas outras culturas. Gerônimo é um filho nato desse Atlântico Negro que nos cerca e nos aproxima de nossos irmãos caribenhos e de nossa mãe África. 

A partir da década seguinte, depois do sucesso alcançado nos anos 80, Gerônimo começou a se distanciar da indústria do carnaval que se consolidou na Bahia. O cantor foi perdendo espaço para os novos artistas que “pipocavam” a cada verão baiano. Não mais pertencendo a uma grande gravadora e fora do circuito das festas em Salvador, Gerônimo optou por criar seu próprio espaço. O resultado foi o show “Gerônimo pagador de promessas”, lançado em 2003, realizado junto com a sua banda Mont’ Serrat nas escadarias da igreja do passo no Pelourinho, local onde foram realizadas as filmagens de O Pagador de Promessas, em 1962, dirigido por Anselmo Duarte, único longa-metragem brasileiro a conquistar a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes na França. A iniciativa foi um verdadeiro “gol de placa” do músico baiano, que reconquistou o sucesso e incluiu as noites de terça-feira no cenário cultural de Salvador, agregando baianos e turistas ao som da salsa e do ijexá. Mesmo sem receber apoio de patrocinadores, o show completa em 2013 dez anos ainda em efervescência. “Não tenho patrocínio algum. Montei minha banda, meu show e as pessoas vieram e gostaram. É uma música bacana cara. Gostosa de ouvir, de dançar. Sabia que daria certo.”, comemora o mais caribenho dos baianos. 

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